Gostei mas não me chame mais!

 

 

Atravessei nervosamente o enorme salão da Associação Cultura e Recreativa de Euclides da Cunha – ACRE e me dirigi à fila de cadeiras onde as daminhas ficavam sentadas durante o matiné de domingo e timidamente convidei para uma dança, a mais simpática, comunicativa e habilidosa nos passos de bolero. “Você aceita dançar comigo”, disse-lhe eu com a voz tremulo e olhar pidão. Ela mediu discretamente a minha pequena e desajeitada estatura e quase com pena prometeu-me a próxima dança.

 

 

 

 

 

Estávamos em meados dos anos 60. O espaço que posteriormente foi adquirido pelo saudoso Edmundo Esteves de Abreu que inteligentemente aproveitou a sigla ACRE e a transformou em Alvorada Clube Recreativo Euclidense, clube particular que fez histórias que encantam e marcaram a vida das gerações posteriores à minha.

 

O antigo ACRE era frequentado pela elite da cidade. Só os sócios (Importantes cidadãos que precisavam de certos requisitos para fazer parte do clube) e seus filhos podiam frequentá-lo. Na verdade, o clube não era conhecido pela sigla ACRE. Era a “Sociedade”. A Sociedade era uma espécie de galpão com várias janelas e uma única porta na sua extremidade direita. Durante os eventos que lá ocorriam, as janelas ficavam abertas para que a população que não tinha acesso ao clube pudesse assistir o que se passava nas festas, observar o comportamento das pessoas, em especial das moças e no dia seguinte comentar na cidade o que ali se passara.

 

À época, a Av. Ruy Barbosa era um misto de comércio e boas residências. Entre elas a de Pedrinho dos Campos,

sergipano de Simão Dias que se estabeleceu com comercio e residência na casa onde até hoje vive alguns dos seus herdeiros e é uma das poucas que se encontra absolutamente preservada embora sofra algumas desvantagens do progresso como denotam as grades que aprecem na foto atual do imóvel. Sr. Pedrinho e D. Argemira tiveram sete filhos. Entre eles, Aidê que reside até hoje no mesmo local e é figura querida na cidade. Sua idade é indefinida. Mas quem a vê de domingo a domingo correndo pelas ruas da cidade entre quatro e cinco horas da manhã, arrisca a lhe atribuir cerca de 70 anos.

 

Outro dos filhos do casal é o brilhante jurista Elieze

 Santos que ganhou essa grafia por obra e graça do saudoso escrivão Zuca Moura. Elieze é uma figura emblemática da Justiça Baiana. Como advogado de uma instituição bancária e no cumprimento do dever, foi vítima de um atentado que quase o deixa inválido. Para a felicidade dos amigos e do direito, Elieze continua atuante e respeitadíssimo nos círculos jurídicos do país. Low profile, Elieze de vez em quando aprece em Euclides da Cunha, gosta de bons vinhos, é culto, viajado e prospero fazendeiro no Sul da Bahia. Infelizmente as gerações mais recentes da cidade, sequer têm noção da importância desse cidadão.

 

 

Elieze não chegou a frequentar o Educandário Oliveira Brito. Terminou o curso primário bem antes da implantação do educandário. Eu terminei um ano antes e fui cursar o ginasial em Tucano retornando no ano seguinte para cursar aqui o segundo ano. Isso foi em 1963. Naquele ano, as meninas do educandário usavam esse uniforme que instigava e instiga até hoje os hormônios masculinos, mesmo que naquela época isso tivesse de ser escondido no mais recôndito dos nossos pensamentos. A foto das meninas é em frente ao portão principal do Educandário Oliveira Brito. A do desfile de Sete de Setembro é na Praça Duque de Caxias e o porta-bandeira à direita da foto sou eu.

 

 

 

 

Aidinha, irmã de Elieze, é outra euclidense vitoriosa. Bem-sucedida e conceituada médica em Salvador, ela passou pelos bancos do Educandário Oliveira Brito e frequentou as domingueiras da “Sociedade”. E foi numa dessas domingueiras que o menino tímido e franzino se dirigiu à bela Aidinha e fez o convite para dançar. “Olha Celso, estou um pouco cansada agora, mas me chame na próxima”, respondeu elegantemente.

Imagem meramente ilustrativa

Esperei ansiosamente que terminasse de rolar na radiola Zilomag do clube aquela faixa do Bienvenido Granda, “El Bigode Cantante” e nervosamente voltei a estender a mão para Aidinha. Aos trancos, barrancos (meus) e muita felicidade, terminei a aquela que fora a minha primeira dança e acompanhei a daminha até   ao local do seu assento e agradecendo perguntei: “E então, dancei direitinho?” “Dançou mas não me chame mais não!”, respondeu objetiva.

Desse dia em diante, toda vez que alguém me oferece algo que não gosto, aceito e experimento. Quando me perguntam: E aí; gostou? “Gostei, mas não me ofereça mais não”. Respondo sem titubear e sempre me lembro da querida amiga Aidinha.

 

 

Celso Mathias (publicação original em 12/2013

Receber é uma arte

                           Celso Mathias

Na agradável noite dessa sexta-feira, Karol e Luiz Mariano, receberam en petit comité, na sua confortável vivenda euclidense, para comemorar idade nova dela. Por lá, Úrsula e Orlando Jones com a pequena Ana, linda filha do casal, Railda e Daniel Oliveira, Joara e Kildere Moura, Aline e Fernando Porfírio, Iane Isnaia, Marcos Mariano, Clebson Santana, Sara e Celso Mathias.

 

 

Na agradável noite dessa sexta-feira, Karol e Luiz Mariano, receberam en petit comité, na sua confortável vivenda euclidense, para comemorar idade nova dela.

 

Por lá, Úrsula e Orlando Jones com a pequena Ana, linda filha do casal, Railda e Daniel Oliveira, Joara e Kildere Moura, Aline e Fernando Porfírio, Iane Isnaia, Marcos Mariano, Clebson Santana, Sara e Celso Mathias.


As meninas, Úrsula Lorrayne, Aline, Clebson, bendito sois entre elas, Sara, Karol, Iane, Railda e Joara

                   Terrine de Salmão com Avocato

 

 

 

 

 

 

 

No cardápio, uma cozinha  soberba, produzida pela expertise de Karol e Luiz Mariano.

 

 


Roast Beef Marinado

 

Entre outras delícias, degustamos, Terrine de Salmão com Avocato e Cream Cheese. Roast Beef Marinado, Quiche de Brie com Damasco e Caprese de Camarão.


Espumante Vezzi

Para beber, além do fantástico Espumante Vezzi, vinhos de diversas nacionalidade, cerveja e Scotch 12 anos.


Na sequência, Marcos Mariano, Fernando Porfírio, Orlando Jones, Luiz Mariano, Daniel Oliveira, Kildere Moura, todo médicos e eu, um estranho no ninho

 

 

Marcos Mariano, cunhado da aniversariante, médico em Salvador e em outras cidades da região, veio exclusivamente para abraçar a aniversariante e fumar um Cohiba com o Irmão, Luiz. Recolheu-se mais cedo para clinicar já na manhã de sábado. Ossos do ofício!


Chegou a hora de apagar as velinhas

Pois, todos devidamente vacinados e começando a sair do marasmo que enevoa as nossas vidas há quase dois anos. Viva a vida, viva a amizade e bom fim de semana para todos.

Você conhece esse ator?

  “Maestro” João de Matos, regendo o seu inacreditável Brazilian Day. Em breve, VidaBrasil vai fazer uma edição eletrônica da entrevista feita há 20 anos, quando o empresário batalhava pelo nome “Little Brazil”. Aguardem!                                                                                                      

 

 

Você conhece esse ator? Ele integra o elenco do novo projeto de Martin Scorsese, ‘Killers of the Flower Moon’. É ele mesmo, Leonardo DiCaprio (quase) irreconhecível em primeira foto de novo filme. A imagem mostra o ator  e Lily Gladstone como Ernest e a sua esposa Mollie Burkhart, uma mulher da nação Índia Osage.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Karol e Luiz Mariano novo depósito de brinquedos caros: uma super adega para 140 garrafas da bebida de Baco.

Cláudia e Ivo Barbosa, leia-se rede de lojas Bel Cosméticos, com o filho Pedro Ivo (avec) e mais um casal amigo, badalaram pela Casa do Porto na Rua Lorena, o melhor lugar para beber vinho e comer bem em São Paulo.

 

 

 

Pode até não ser rico. Mas que parece, parece! Falo do meu amigo Ubirajara Formiga, aproveitando a merecida aposentadoria em seu novo apartamento em Jampa.

 

 

 

 

 

O primeiro vôo de helicóptero tinha que ser na Barreira de Corais, na Austrália. A Grande Barreira de Corais, ao largo da costa de Queensland, no

 nordeste da Austrália, é o maior organismo vivo da Terra, visível até mesmo do espaço. O ecossistema de 2.300 km de extensão compreende milhares de recifes e centenas de ilhas feitas de mais de 600 tipos de corais duros e macios. Foi lá o primeiro vô de helicoptéro do querido casal Anatália e William Riley. Cidadãos do mundo, eles estão loucos para arrumar as malas e colocar o pé na estrada, digo, no jato!

 

 

 

Quem quer ajudar a tornar Miami Beach um lugar mais agradável para visitantes e residentes (ambos tipos de duas e quatro patas) e passar tempo com muitos e muitos felinos adoráveis? O Café Café South Beach está aceitando inscrições para cargos de voluntário.

O anuncio é da querida Celyta Jackson, hoje radicada em Miami. Tudo que vem de Celyta é sagrado!

 

 

“Maestro” João de Matos, regendo o seu inacreditável Brazilian Day. Em breve, VidaBrasil vai fazer uma edição eletrônica da entrevista feita há 20 anos, quando o empresário batalhava pelo nome “Little Brazil”. Aguardem!

De novo visual, Shirley D’Oro, competente advogada e vizinha no Kubitschek Plaza. Quantas boas lembranças!

Aída e Zezé Bastos, recarregando as baterias no paraíso de Imbasayh.

 

 

 

 

Em tempos de pandemia, Selmi Oliveira recebe homenagem do filho Marcus, advogado brilhante e amigo para todas as horas. Para a mãe:  “Obrigado por tudo que fez por mim nesta jornada. Pena ainda não poder te abraçar hoje. Beijo enorme. Te amo”!

Fizestes um grande homem, Selmi!

 

 

 

 

 

Saudades dos grandes encontros na mansão do Morro da Paciência, Quando Filomena Bordalo e Rodrigo Croft moravam na Bahia. Eles aparecem na foto como o amigo Tim t’Kint  no Restaurante Juan y Andrea, nas paradisíacas nas Ilhas Baleares

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Totem… cerâmica, arte fantástica de D. Clara Croft. Produzindo o consagrado Vinho Aphros, o filho dela, meu querido amigo Vasco Croft. Ambos são grandes artistas!

 

 

 

 

 

Tom Cruise, quem diria, devolve troféus do Globo de Ouro e NBC cancela transmissão de 2022. O ator supostamente devolveu seus três troféus do Globo de Ouro à Hollywood Foreign Press Association, após indignação contra os organizadores da premiação anual.

Muitos veículos revelaram que Cruise, de 58 anos, devolveu suas duas estatuetas de Melhor Ator, por Jerry Maguire: A Grande Virada, e Nascido em 4 de Julho, e seu troféu de Melhor Ator Coadjuvante, por Magnólia. O comunicado do ator surge em um momento que muitas estrelas de Hollywood criticaram a HFPA por sua falta de representação negra dentro do grupo, que vota nos vencedores do Globo de Ouro.

 

                                                                                      Por Celso Mathias

 

 

 

                                                                                                                                                                                                                    

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Nunca mais

Eu desenhava e pintava, coloria o papel e só depois me permitia decifrar uma dor transformada em cores, riscos e palavras, que me chegavam em breves notas, cheias de sentidos ocultos, exatamente como faziam….

 

 

 

Cheguei a acreditar que não teria mais nada a escrever. Silenciar minha escrita foi consequência, todavia, não da escassez de palavras ou da falta delas, mas do luto pela definitiva ausência daquele que me lia e que me compreendia na escrita e no silêncio.

Para mim, escrever pensando naquele que mais profundamente me lia foi um jeito infalível de dar continuidade àquela deliciosa sedução que atualiza o amor no tempo. Quem viveu, no mínimo, da metade em diante do século XX, que o diga. Amores espetaculares. Grandes despedidas. Arrebatamentos. Algumas decepções. Saudades. Mas há o tempo. A juventude e a beleza que lhe é inerente, — ambas tão fugazes —, nos abandonam um dia. É preciso então reinventar a sedução e mesmo o amor. Cupido é criança, é cego e anda armado. Mantê-lo cativo, portanto, demanda o manejo de uma arte. Não mais naquela versão dos vinte anos, alimentada de hormônios, explosiva, glandular, plasmada no corpo que tantos, tão desesperadamente, tentam conservar, mas outra, uma versão mais sofisticada eu diria, que não apela aos sentidos, mas à memória deles. Afinal, seduzir é atiçar a imaginação.

Digressões à parte, fato é que, às vezes, o amor acontece na vida real. Ele sequestra e envenena duas almas e as mantêm unidas, mesmo quando a vida separa os corpos, mesmo quando estes sofrem com as agruras das enfermidades, mesmo quando o amor não convém. Amarração apesar de todas as circunstâncias e de todas as inconveniências. Há amores teimosos. Insistentes. Há amores felizes e também infelizes. Há amores óbvios, sob medida. E há os nossos, muito particularmente.

Contudo, não obstante sua tipologia ou sua pertinência, um dia o amor acaba. Não necessariamente ao mesmo tempo para ambos os envolvidos. Num processo que varia muito, lento, doloroso, violento ou angustiante, o amor se vai. Outras vezes, porém, ele é interrompido pela morte. A morte é clássica. Nem a Igreja, que pretende exercer a prerrogativa da salvação das almas, ousa contrapor-se ao fim do amor pela morte.

Das perdas que se têm, muitas são naturais e sabemos, desde certo tempo de vida, que haveremos de lidar com elas.  Dessas perdas, entretanto, talvez nenhuma seja tão drástica quanto a do ser amado. Inacreditável primeiro, sua irrealidade precisa ser suprida. Nascimentos e óbitos só acontecem nos cartórios: são tão inacreditáveis que demandam certidões. Não há espaço para o faz de conta. Não há como negar a morte, e é preciso vivê-la como imponderável que é, como tenho feito, ao longo de dias que não são mais os mesmos, de semanas que não se contam, e de meses que nenhum calendário nomeia. Vive-se um tempo repleto de vazio, cuja legenda, se houvesse, seria nunca mais. Morte sem cadáver, sabida de longe, por mensagem. Morte que, mesmo chegando diariamente a tantos, é sempre única. Morte anunciada, que há alguns anos espreitava o meu amado. Cercava-o, sedutoramente como outra mulher, e depois recuava, na última hora, tantas vezes, que eu já a acreditava amiga. Um fim anunciado. As últimas semanas eu já as vivi em dias sem amanhã, porque prevenida por ele, quando cantarolou para mim uma mensagem gravada em áudio: Giorni senza domani e il desiderio di te. Era a Casa d’Irene. Ele sabia ser muito sutil quando queria.

Mas a morte chegou. Ela concluiu sua parte e mais um pouco ainda, quando não me instruiu acerca do que fazer de mim agora sem ele. Que fazer de tantas e tantas palavras que eu ainda tinha a escrever? Que fazer diante da perda do destinatário da minha escrita, desde sempre, desde que eu nem sabia quem ele era, e ele tanto menos de mim conhecia. A escrita nos uniu, perante o divino sacerdócio das palavras que, uma vez dada aos homens, deu-lhes corpo e divindade. João não me deixa mentir: no princípio era o verbo. A carne veio depois. Exatamente como foi comigo e com ele. Porque o amor é mágico e poderoso. Supersticioso, louco, mas nada pode frente à morte. Convenci-me assim de que poria fim à minha escrita, tornada ela Julieta, suicida pelo desengano, buscando seguir o seu Romeu. Por algum tempo tal banalidade me consolou: nunca mais vou escrever ― dizia-me.  Depois pensei justamente que, por ser tão óbvia, ― e de duvidosa dramaticidade ―, esta não poderia ser uma escolha minha. Seria preciso vivenciar o luto pela perda daquele que, por tanto tempo, fora o destinatário de todos os meus pensamentos, palavras e obras, fossem eles santos ou profanos.

Prolongada e dolorosa despedida que me impedia de escrever. Angústia paralisante que me levava pelos caminhos da dor e da escuridão. Que me impedia a escrita, única alma que tenho, solitária entidade metafísica que me habita e na qual me reconheço. Alma silenciada, essa escrita recaía muitas vezes em obituários de vaidades, mais próprios a catalogar dores, a lamentar laços perdidos, mesmo os mais frouxos. Seria, para mim, demasiado óbvio chorar, por escrito, uma morte que nem mesmo me pertencia.

Por mais que os lugares comuns das saudades atinjam a todos quase da mesma maneira, eu não queria me enlutar, não convencionalmente ao menos. Seria inusitado. Quanto mais porque nunca protagonizei, naquela vida que se esgotou para o mundo, qualquer papel convencional. Liberdade e independência cobram solidão. Solidão combina com escrita. Mas eu nada conseguia escrever desde que aquela morte me acontecera. Descobri aí uma morte pronominal: que me afetara e não a ele. Não se tratava mais de pensar o morto, mas de pensar a morte em si, e o que ela me dizia daquele que me levou. Foi assim que caí presa de uma estranha perversão que quase me impediu por um bom tempo de escrever. Eu desenhava e pintava, coloria o papel e só depois me permitia decifrar uma dor transformada em cores, riscos e palavras, que me chegavam em breves notas, cheias de sentidos ocultos, exatamente como faziam quando eram por mim escritas àquele que se fora. Partida imperdoável.

Descobri que o culpava, porque ele desertara de mim. Abandonou-me na vida, entregue ao mundo, levando com ele todos os sentidos. Eu experimentava saudades e raiva. Esse sentimento tão mesquinho, quase odioso, não inspirava qualquer escrita, mas fazia-me riscar o papel, colorindo-o de mil maneiras. Foi preciso reaprender cada palavra depois, explorar o sentido de cada verbo e de cada frase diante de imagens que me apareciam como se viessem do além. Inventei Nunca Mais, morada dos mortos. Inventei Sinistro, lugar terrível, à beira do Estige, onde moram todos os que sentem saudades. Inventei lugares onde se vive a olhar para janelas abertas, onde há flores em vasos e vasos sem flores, imaginando que um dia o olhar de quem partiu pode descobrir que ali se vive ainda. Inventei gavetas e cortinas que, abertas ou fechadas, emprestavam alguma dinâmica a sentimentos tão contraditórios e densos, disputando a enorme sombra que ficou no lugar daquele que foi embora sem se despedir de mim. Inventei flores que eram sinos que tocariam sem parar, e outras, muito azuis, que floresciam em troncos ressecados. Inventei novas cores até. Pintei, desenhei e escrevi obsessivamente para criar com isso um luto que fosse apenas dele e que ninguém mais no mundo pudesse sentir ou imitar. Lancei-me contra a morte, amaldiçoei a fatalidade e persisti, sozinha contra o tempo: perene ameaça que retira até a força do veneno das flechas de Cupido.

Penso que a morte, assim como a vida, não tem nem faz sentido algum. Sempre me recusei às entregas místicas, ainda que conheça bem seu potencial como inspiração. A perda de sentidos, porém, é apanágio dos loucos e dos desesperados. Muito por conta disso é que a sanidade dos homens não dispensa a criação de significados, seja para justificar a vida, seja para explicar a morte, não raro negando-a como tal. Há muitas respostas prontas, na medida para quase todas as vidas e para quase todas as mortes. Basta aderir a uma fé ou crença. Os mais filosóficos que religiosos não buscam menos tais sentidos que encontram em filosofias de varejo ou de atacado, que vão da lógica formal até o absurdo mais completo e ainda além deste. Misticismo e lógica disputam entre si o primado da verdade, e mesmo dentro de nós há muitas lutas antes que se faça o silêncio e, depois, a angústia, que nos ensina que a morte existe e que ela é de uma realidade brutal.

Não há retorno possível, nunca mais. Além do inútil desespero, contudo, existe ainda a minha palavra que se lança contra o tempo, a fatalidade e a morte, esses três desconhecidos que devo afrontar, apesar de saber que agora não há mais o destinatário desta escrita, transformada em oração de quem não sabe rezar, mas sabe escrever, sempre, Rogério.

                                                                                  Por Maristela Bleggi Tomasini

 

 

Maristela Bleggi Tomasini é doutora em História Social pela USP – Universidade de São Paulo, SP. Possui Mestrado em Memória Social e Bens Culturais pela Universidade Lasalle. Formou-se em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos, RS, em 1983, com habilitação específica em Direito Civil, atuando como advogada e consultora em Porto Alegre, RS. Atualmente desenvolve o projeto de pesquisa “A psicologia coletiva como resposta ao problema da criminalidade das multidões: uma perspectiva histórica”, nível de pós-doutorado em Psicologia Social junto à UERJ – Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Você sabe mesmo fumar charutos?

 

Você que está começando, procure manter um registro dos charutos que experimentou anotando sua opinião sobre cada um deles. O registro o ajudará a lembrar-se das suas aventuras. 

                                                                                                                                                     

 

Derivado da palavra Tâmil “curuttu”, enrolar em espiral, que deu origem também à palavra “cheroot” em inglês e “cheroute” em francês, a palavra pode ter chegado à Europa com os navegadores portugueses. Aqui algumas dicas para quem aprecia o sofisticado hábito de dar baforadas em “Habanos” ou nos legítimos “Baianos” que nada devem aos primeiros e permitem que não só milionários possam fuma-los. Conheça os principais formatos, medidas e tire dele o melhor proveito e porque não; a melhor fumaça.

 

1 – Você que está começando, procure manter um registro dos charutos que experimentou anotando sua opinião sobre cada um deles. O registro o ajudará a lembrar-se das suas aventuras.

 

3 – Nunca masque ou morda a ponta de um charuto. Segure-o na mão ou apoie no cinzeiro. O ato de fumar estimula a salivação. Assim, se você deixar o charuto na boca, ele ficará molhado, entupindo o furo e prejudicando a puxada.

4 – Se você é um principiante e, não importa preço ou marca, nunca compre muitos charutos de uma só vez, pois suas preferências podem variar à medida que for aprendendo mais sobre o assunto.

5 – Se espera encontrar uma fonte confiável e consistente de charutos de qualidade – um lugar que lhe dará prioridade quando os charutos que você deseja chegarem – estabeleça um bom relacionamento com uma tabacaria e torne-se um cliente fiel.

6 – Bebidas e charutos combinam, por isso, alguns bares e restaurantes oferecem o produto para venda. Além disso, apesar das restrições, permitem que você leve o seu para fumar, sem cobrar por isso, diferentemente do que ocorre com as bebidas, em que é cobrada uma taxa de “

rolha” caso você leve a sua garrafa.

7 – É muito importante, muito difícil e extremamente dispendioso classificar charutos pela consistência que apresentam de caixa para caixa. Entretanto, a capacidade que um fabricante tem de produzir grandes charutos ao longo do tempo é primordial para a classificação da marca. Os iniciantes devem se concentrar nos charutos avulsos, mas não hesitar em analisar outro exemplar da mesma marca e formato em uma ocasião posterior comparando-o.


As diversas bitolas. Uma questão de gosto e/ou aparência.

                                                                                                  Por Celso Mathias

Audi Q8 50 TDI é um carro muito interessante

O Q8 é o topo da gama SUV da Audi e pelos adjetivos que a casa de Ingolstadt utilizou para descrever o SUV com pele de cupê, estamos perante um carro pensado para utilizadores que pretendem um SUV inteligente, diferente do comum e que consiga, apesar da forma, ser pratico o suficiente para não ir buscar um Q7. Valerá este Q8 a diferença de preço face ao Q7? Vamos ver.

 

Exterior – O Q8 segue o estilo do A8, o modelo que corre a seu lado na linha da Audi. O Q8 é, claro, um topo de linha e parece, no estilo, um automóvel caro. Porquê? O Q8 tem quatro portas sem molduras nas portas e uma traseira muito inclinada que desenha a forma cupê. A enorme grelha dianteira marca a frente do carro, adicionando-se cavas das rodas generosas e musculadas, faróis e lanternas LED, com uma barra luminosa que unem as lanternas traseiras, completam um estilo musculado que não é nada aborrecido, bem antes pelo contrário, mas incapaz de promover unanimidade. Literalmente, há quem adore e quem odeia o estilo do Q8.

Interior – A Audi sempre fez interiores de qualidade e de muito bom gosto e não falhou com o Q8. Simplesmente fabuloso o habitáculo do Q8, forrado a pele e com um conjunto de três monitores que se complementam: um que funciona como painel de instrumentos (Virtual Cockpit), outro que alberga o sistema de info entretenimento e um terceiro onde, entre outras coisas, está o controle do sistema de climatização. Os comandos são fabulosos ao toque, servindo uma ligeira resistência que adiciona a sensação de qualidade. Mergulhar nos vários menus dos sistemas pode ser assustador numa primeira abordagem, mas rapidamente percebemos como tudo funciona.

 

Vamos muito bem sentados com bancos de qualidade, confortáveis e com ótimo suporte. Há muito espaço dentro do Q8, inclusive no banco traseiro e uma bagageira muito aceitável, mas que tem o acesso sacrificado pela forma do acesso e da parte traseira do carro. O banco traseiro pode ser rebatido para alargar a capacidade da bagageira. Evidentemente que não há os dois lugares extras do Q7 e a mala é menor, mas quem quer um Q8 não está preocupado com as questões práticas, com a capacidade da mala ou até a falta de dois lugares extras.

 

 

Equipamento – Como sucede habitualmente, o equipamento de um Audi é um jogo de paciência para coordenar tudo aquilo que é oferecido de série e o que passa a estar nos pacotes de equipamento e nos opcionais. Assim, de série, o Q8 oferece rodas de liga leve de 19 polegadas, faróis LED, assistente de máximos, lanternas traseiros LED, luzes diurnas LED, regulagem dos faróis, pacote Audi Exclusive negro, capas dos espelhos na cor da carroceria, spoiler traseiro, vidros com isolante térmico, bancos com apoio lombar elétrico, rebatimento do banco em 40/20/40, volante de três raios com patilhas, ar condicionado automático, espelhos exteriores com regulagem elétrica, rebatíveis e aquecidos, bagageira com trava elétrica, Audi Virtual Cockpit, sistema MMI com rádio Plus, sistema de navegação Audi connect Navigation & Infotainment, Smartphone interface e Blutooth, Audi pre Sense dianteiro, câmara multifuncional, câmara traseira, sistema de estacionamento Plus, cruise control com limitador de velocidade, chassis com amortecimento de comando eletrônico, controle de amortecimento na suspensão, reconhecimento de ocupação do banco, quatro anos de garantia ou 80 mil quilômetros e mais uma mão cheia de coisas. Tudo isto dentro do preço de 117.520 euros em Portugal.

 

Consumo – A Audi reclama para o Q8 50 TDI – equipado com o V6 de 3.0 litros com 286 CV – um consumo misto de 6,6 litros por cada cemde quilómetros. Entretanto, a média encontrada nos testes, foi de 7,6 l/100 km. Um resultado ainda assim muito interessante. Apertando com o andamento, chegar aos dois dígitos não é tarefa complicada. Porém, perfeitamente admissível num carro que pesa nada menos que 2145 Kg.

Ao volante – Como seria de esperar, o AudI Q8 nesta versão 50 TDI com o motor V6 mais potente, é rápido apesar de mover mais de duas toneladas de peso. Mas, sobretudo, é um automóvel muito confortável que está perfeitamente à vontade a devorar quilômetros. E mesmo com as enormes rodas com pneus puramente de estrada (apesar de ser um SUV), o conforto não é prejudicado. O reverso da medalha é que o Q8 não oferece particular emoção ao condutor. Faz tudo bem, mas sem centelha de emoção.

Motor – O conhecido motor V6 do grupo Volkswagen, com 3.0 litros e aqui numa versão mais potente com 286 CV e 600 Nm de binário, serve que nem uma luva ao Q8. Consegue levar as mais de duas toneladas do Q8 50 TDI dos 0-100 km/h em muito respeitáveis 6,3 segundos, não é um sorvedouro de combustível, sendo refinado e muito agradável de utilizar, acoplado à caixa automática Tiptronic com oito velocidades, que explora o muito binário existente entre as 2250 e as 3250 rpm.

 

Ficha técnica

 

Motor V6 com injeção direta turbo diesel com intercooler

Cilindrada (cm3): 2967

Potência máxima (CV/rpm): 286/3500 – 4000

Transmissão: Integral permanente com caixa de 8 velocidades automática

Direção: Pinhão e cremalheira assistida eletricamente

Suspensão (ft/tr): Independente, multibraços, pneumática

 

Freios (fr/tr): Discos ventilados

Aceleração 0-100 km/h (s): 6,3

Velocidade máxima (km/h): 245

Preço da versão testada (Euros): 140.452€

Preço da versão base (Euros): 116.270€

 

 

JM Costa

O Delegado Libertino

       

 

Nesses tempos politicamente corretos em que vivemos, em breve não haverá mais lugar para os chamados mulherengos. O clássico conquistad

or está em franca extinção, seja porque mudaram as mulheres, seja porque mudou a política de gêneros, seja porque os homens estão, enfim, aprendendo a pensar co

m

 uma só cabeça e não com duas. Creio que eles nem mesmo se animam a relatar suas aventuras, que podem dar margem, atualmente, não só às piores interpretações como ainda atrair o opróbrio, o desprezo, talvez mesmo a prisão. Adeus, libertinagem!

Mas houve um tempo em que existiram sobre este mundo homens mulherengos, conquistadores inatos, que assediavam, que elogiavam, que davam cantadas e que, simplesmente, não sabiam viver sem estarem envolvidos em alguma confusão, em alguma história complicada, e sempre por causa de uma mulher. Quando me lembro desses conquistadores, me lembro de um em particular, que conheci pessoalmente, e que, no seu tempo, foi um grande e simpático mulherengo. Falo do delegado César, que me contou esta história da qual ele próprio foi o malogrado protagonista.

A indicação para o cargo de delegado em uma pequena cidade de colonização italiana na serra gaúcha foi recebida com alegria pelo então jovem César. Casado há pouco mais de um ano, ele estava também no início de uma carreira que se anunciava como promissora, graças às notas altas e ao excelente aproveitamento na Escola Superior de Polícia. Romântico e metido a conquistador, César tinha um temperamento explosivo que era compensado, porém, pela simpatia pessoal e pela extrema facilidade de se comunicar. Também de origem italiana, revelada no sobrenome bem conhecido no Sul, ele dominava o talian, dialeto vêneto falado na serra gaúcha, e, de modo algum, era estranho aos costumes e à culinária locais.

Transferência acertada, a escolha da moradia não foi problema. Localizado em um bairro alto, o apartamento para onde o jovem casal se mudou era espaçoso, com lareira, inclusive, ― o clima frio da serra o exigia ―, e uma estratégica sacada com vista privilegiada, que se abria para a grande curva que a estrada fazia quando alguém chegava ou deixava a cidade. O trabalho não era cansativo. A delegacia tinha dois funcionários apenas, que davam conta do expediente. A esposa, muito religiosa e dedicada ao lar, mantinha-se convenientemente discreta. ― Digo a esposa, porque, do ponto de vista de homens como César, o universo feminino é composto, em primeiro lugar, por todas as mulheres com quem se pode namorar; depois, em segundo, vêm as amigas, com as quais não se namora; em terceiro e último, vem ela: a esposa, alguém que desempenha funções e que ocupa uma espécie de cargo na vida dos homens. ― É preciso acrescentar que corria então a década de 1970. A religiosidade, os vínculos ancestrais, a fidelidade aos costumes não estimulavam a criminalidade e explicavam a vida pacata do interior, que se desdobrava de segunda a sábado em meio aos sabores de uma culinária riquíssima. Com raros pobres e nenhuma miséria, a população, predominantemente tradicional e fiel à Igreja Católica Apostólica Romana, não se ocupava dos anos de chumbo que, ali, pouco pesavam. A missa matinal aos domingos, mais que uma obrigação, era um acontecimento social, que exigia dos homens o uso de terno e gravata, das mulheres, o véu, branco para solteiras, preto para casadas. Na saída, longe das mulheres, os homens se reuniam no café e, na hora do almoço, as famílias frequentavam os restaurantes, sempre acolhedores, ou se reuniam em casa, na reverenciada companhia de um nono e de uma nona, não raro italianos natos, que nunca se renderam à língua portuguesa e que continuavam a viver exatamente como se estivessem em sua velha e saudosa Itália.

 

 

Nesse ambiente, o jipe preto e branco da polícia, quando passava pelas ruas da cidade, era respeitado e temido por uma população italiana de duas ou três gerações que tinha em alta conta o prefeito, o padre e o delegado. A criminalidade local resumia-se ao jogo do bicho, um ou outro entrevero na alegre e comportada zona do meretrício e pequenos furtos, sempre ocasionais. Rixas e quebra-quebras em festas de igreja ou desentendimentos nas ruidosas partidas de mora ― “morra!” ― e no truco. De anotar o caso, que virou ocorrência policial, quando um italiano arrancou o dedo de outro durante uma disputa. As casas mantinham suas portas abertas da manhã à noite. Os carros podiam tranquilamente permanecer com a chave na ignição. Uma agradável rotina, quebrada eventualmente por acidentes nas perigosas estradas, se estabelecia assim para César que, todavia, teve sua atenção despertada por Rosa.

Rosa era jovem e bonita, de pele muito clara e olhos azuis que mantinha quase sempre baixos. Os cabelos eram longos e dourados. Um tanto cheia de corpo, ela não era propriamente gorda, e as roupas simples que usava não disfarçavam a fartura das ancas e dos peitos. Gringona saudável e apetitosa, como César a definiu, Rosa era muito católica e frequentava a igreja e o confessionário. Em suas idas e vindas, passava sempre muito devagar em frente à delegacia. Embora parecesse tímida e mesmo devota, nada disso impediu Rosa de lançar olhares compridos e provocantes ao delegado que imediatamente os retribuiu. Em sociedades onde a moralidade

 impera soberana, as aparências exigem que as relações sejam castas e respeitosas, o que só serve para tornar ainda mais intensos os gestos, os olhares em especial, na complexa semiologia dos jogos amorosos. E foi assim que Rosa e o delegado acertaram-se quase sem palavras. Queriam-se.

Só havia um pequeno problema. Rosa também era casada. Mas, se a esposa de César era tão discreta quanto indiferente às reiteradas puladas de cerca do marido, o esposo de Rosa era conhecido em toda cidade pela truculência. Caminhoneiro de maus bofes, alto e forte, tinha fama de violento, mas passava a maior parte do tempo viajando e mantinha poucos laços sociais na cidade. O encontro foi acertado para o dia da próxima viagem do marido de Rosa. César, chegada a data prevista para o encontro, agiu normalmente e, na sacada de seu apartamento, fingia distrair-se com um binóculo, observando a curva e a simples e pequena casa de madeira na qual vivia Rosa, também visível dali. E foi assim que ele observou o caminhão deixando a frente da moradia para depois desaparecer, bem devagar, contornando a curva. Era inverno e fazia um frio cortante.  A noite não tardou a cair sobre a cidade, e a desculpa para uma diligência noturna sem hora para voltar foi recebida pela esposa com a naturalidade e a indiferença de sempre.

Blusão de lã, sobretudo, manta no pescoço, lá se foi César, sem desanimar, nem mesmo diante do frio e da cerração que esvaziavam as ruas da cidade. O carro particular foi estacionado a uma distância segura da casa de Rosa. As dobradiças enferrujadas do portão de madeira rangeram. A batida na porta nem foi necessária, pois ela se abriu rapidamente, mal César subira os três degraus do pequeno alpendre. As tábuas do assoalho cederam um pouco sob os passos apressados do delegado, quando este deslizou como uma sombra rumo ao interior da moradia. A pequena sala tinha apenas um sofá e duas poltronas forradas de courvin cor de mostarda. Os encostos do conjunto eram enfeitados com guardanapos de crochê, e os assentos, com almofadas muito coloridas, bordadas à mão. No centro, uma mesinha com tampo assimétrico de fórmica montada sobre três pés de palito acompanhava o mobiliário. Sobre ela, um arranjo de flores artificiais e um cinzeiro. O tapete de retalhos completava o conjunto. Tudo ali traía a domesticidade insuspeita de um lar. A cerimônia de recepção durou pouco tempo, o clássico cafezinho foi logo dispensado e, entre tórridos beijos e apalpações de estilo, o casal, já ofegante pelo desejo, foi direto para o único quarto da casa, tão ou mais simples que a sala. Cama com colcha de retalhos muito coloridos sobre a qual o crucifixo, pendurado da parede, dava fé, ao menos da existência de sérias intenções cristãs de, na medida do possível, evitar o pecado. Talvez aquela divina presença por ali, justamente naquela noite, servisse para lembrar que Deus, quando não joga, fiscaliza.

O frio entrava pela janela que dava para os fundos da casa. Rosa apressou-se em fechá-la, puxando os dois tampões de madeira sobre os quais abaixou a tramela. A simplicidade do ambiente não foi obstáculo para o clima de desejo e, rapidamente, César livrou-se da manta, despiu o sobretudo, o blusão, camisa, calça, meias e sapatos. Mas o diabo, quando faz a panela, esquece a tampa. Estava nosso delegado ainda de cuecas, quando um som cortou a noite e o clima de paixão. O inconfundível barulho do freio a ar de um caminhão Scania se fez ouvir bem de perto, vindo da frente da casa, cortando o silêncio da noite.  “É o meu marido”, disse Rosa baixinho, já tremendo e parecendo apavorada. Ela mal terminou a frase, e César já entrouxava os sapatos e as roupas no sobretudo, enrolando-o como um pacote. Rapidamente, abriu os tampões e pulou a janela, caindo nos fundos da casa, em meio à escuridão, a umidade e o frio inclemente da serra. Atento à conversa, agachado contra a parede, conseguiu ouvir que o caminhoneiro se esquecera do manifesto de carga, documento que viera buscar para logo seguir viagem novamente. Então, explicado o aparecimento repentino, César resolveu melhor ocultar-se na parte mais escura do pátio. Deu apenas alguns passos apressados, quando o chão cedeu sob os seus pés e ele se viu enterrado até a altura do peito em alguma coisa fria, húmida e gelatinosa. Percebeu então que estava metido em uma grande fossa mal coberta por uma fina camada de areia de construção. Sentiu uma dor violenta na sola do pé direito. Não foi difícil adivinhar onde estava. Um cheiro revelador e nauseabundo subiu pelas narinas do pobre delegado que se viu literalmente enfiado em um buraco transbordante de merda.

Explique-se. Casas simples do interior não dispõem de serviço de esgoto, de sorte que são construídas latrinas sobre fossas negras que, contudo, precisam ser trocadas de lugar. A “casinha” é assim deslocada para outra área do terreno, o antigo buraco devendo ser coberto de areia. Foi exatamente isso que aconteceu no pátio da casa de Rosa justo na tarde daquele dia. César caíra na fossa negra. Para piorar tudo ainda mais, sentiu que alguma coisa ferira gravemente o seu pé. Controlando a ânsia de vômito, ele tentou em vão sair do buraco. Quanto mais se mexia, mais se enterrava. Impedido de gritar, gelado de frio, sentindo dor, foi com alívio que ouviu o ruído do caminhão sinalizando a partida do indigitado marido quase traído. Temendo alertar a vizinhança, ele então chamou baixinho: “Rosa, Rosinha”. E nada de Rosa. “Rosa-a-a-a-a-a-a” ― repetia ele, quase cochichando, como se entoasse um mantra. Finalmente a porta dos fundos se abriu e Rosa apareceu, sem, contudo, atinar de onde vinha a voz que chamava por ela. Enfim ouviu: “Rosa-a-a-a, aqui! No buraco!”

O cenário era insólito. César não conseguiu sair da fossa negra mesmo com a ajuda de Rosa. Ela temia sujar-se com os excrementos. Tentaram usar a manta, depois o sobretudo, como se fossem corda. Rosa puxava de um lado, o delegado segurava do outro, mas ela não tinha forças para deslocar os mais de noventa quilos dele que, ferido, encontrava-se limitado em seus movimentos. Diante da inutilidade dos expedientes que tentaram improvisar, foi preciso pedir ajuda. Rosa, a pobre Rosa, teve de ir, o mais discretamente possível, até a casa de Cláudio, inspetor de polícia que morava perto dali, e tentar explicar que o delegado sofrera um acidente e precisava de ajuda.

Todavia, o resgate ainda precisou esperar até que o inspetor Cláudio, impactado com a cena, conseguisse deter o longo e incontrolável acesso de riso que o acometeu tão logo se deu conta do ridículo de toda aquela situação. Sem coragem de aproximar-se dos dejetos, foi com o auxílio de uma taquara de dois metros que ele arrastou seu chefe para fora do buraco. Este saiu dali de bruços, exausto, imundo, fedendo e sangrando. Para piorar, antes de ser conduzido ao pequeno hospital da cidade, foi preciso retirar pelo menos parte do cocô que cobria quase inteiramente o corpo do pobre pecador, o que foi feito por meio de um banho de água gelada, ali mesmo, com uso da mangueira do jardim. César chegou ao hospital enrolado em um cobertor e quase morto de frio. O ferimento era grave, obra de algum caco de vidro, provavelmente parte de uma garrafa quebrada, que penetrara fundo na carne. Foi necessário tratar a ferida dado o alto risco de infecção. O cheiro nauseabundo persistiu na pele mesmo passadas horas do acontecido. Foram três dias de hospital. A cidade inteira murmurava, indiscretamente, que o delegado se acidentara ao pular uma cerca, quando ao encalço de perigoso gatuno que, todavia, jamais foi capturado.

César, mulherengo e libertino convicto, — como todo bom cachorro comedor de ovelha que, como se diz no Sul, só matando —, não desanimou

. No hospital, ele foi amparado pela Irmã Angélica, freira pequenina, gentil, jovem e muito bonita. Era ela a encarregada da troca de curativos e dos banhos de benzina aplicados sobre a pele do delegado, carinhosamente, com uso de pequenas e macias buchas de algodão. Mas essa é outra história.

Maristela Bleggi Tomasini

A face oculta de Deneuve

 

Maurice Dorléac, ator e propagandista pró-nazi durante a ocupação da França, é pintada como uma pessoa insaciável quando se trata de ganhar dinheiro e infiel nos amores. Condenado depois da guerra, em Janeiro de 1945, pelo Tribunal Civil de Paris por colaboracionismo, o pai de Catherine ficou com uma grave mancha no currículo. Violet acusa a atriz de ter feito tudo para ocultar o passado “negro” do pai, “premiado” com a pena de “indignidade nacional”. O tribunal criado pelos ex-resistentes ao nazismo deu como provado que Maurice Dorléac participou em mais de 70 programas da Rádio Paris — que se especializou desde o Verão de 1940 na defesa da “Nova Europa” de Hitler e nos ataques aos ingleses, ao general de Gaulle, aos judeus e à franco-maçonaria. Dorléac foi igualmente ator em dois filmes de propaganda nazi, um deles glorificando a “Milícia francesa”, cujo principal objetivo era desmantelar a resistência e denunciar a “lepra judaica”.

 

Durante a investigação para a elaboração do livro, Violet não conseguiu falar com Catherine Deneuve nem sobre passado do pai nem sobre qualquer aspecto da sua vida pessoal ou profissional. E também encontrou todas as portas bem trancadas quando tentou recolher informações junto dos familiares e amigos mais próximos.

A estrela do cinema, vista na França como o símbolo da beleza absoluta, da classe, da sofisticação e do “glamour” da mulher parisiense, manteve-se fiel à sua já lendária distância em relação aos jornalistas. Deneuve é uma “star” e, como tal, cultiva a aura de mistério que desde cedo a envolveu. No entanto, Violet acusa-a de ser vingativa, de apenas dar entrevistas a jornalistas amigos e de impetrar ações em tribunal — com pedidos de indenização — contra todos os que escrevem sobre ela revelando aspectos não autorizados da sua vida.

Mas, graças à consulta de arquivos e depoimentos de ex-sócios ou ex-colaboradores da atriz, a biografia revela alguns aspectos surpreendentes da sua personalidade. Descreve-a como uma mulher de negócios ávida por dinheiro que, por exemplo, tem o hábito de cobrar elevadas quantias — em dinheiro vivo, mas pagas através de discretos “envelopes” — para honrar com a sua presença acontecimentos, festas mundanas e, até, para comparecer em alguns programas de televisão.

No campo amoroso, o jornalista aborda as diversas relações conhecidas de Catherine — do cineasta Roger Vadim ao ator Marcello Masttroiani, pais dos seus dois filhos, Christian Vadim e Chiara Mastroianni. Catherine só se casou uma vez, com o fotógrafo David Bailey, e a união durou apenas dois anos. Mas o livro evoca outras ligações amorosas, mais polêmicas e escandalosas, sempre desmentidas pela atriz, como com o autor-cantor Serge Gainsbourg e o dono de um canal francês de televisão, Pierre Lescure. Violet realça alegadas infidelidades de Deneuve e não deverá escapar, por isso, a um processo em tribunal.

Nos últimos anos, o escritor demoliu diversos mitos franceses como o comandante Jacques Cousteau e, agora, conclui o ciclo dos três “Dês” do cinema francês — Alain Delon, Gerard Depardieu e Catherine Deneuve. Em Catherine l’Affranchie, o jornalista avança por terrenos muito delicados e pouco habituais no jornalismo francês, dando por exemplo a entender que Catherine manteve também ligações amorosas com o ator Gerard Depardieu e com o cantor de rock Johnny Hallyday. No capítulo sobre Depardieu, Violet insinua ainda outras “revelações”, citando declarações de Deneuve como, por exemplo, “a maioria dos atores franceses são homossexuais… estive apaixonada por homens bissexuais… mas as atrizes devem desconfiar quando se apaixonam por um bissexual”.

A grande atriz de filmes “cults” como Belle de Jour ou Le Dernier Métro, que trabalhou sob a direção de cineastas como Polanski, Buñuel, Téchiné ou Truffaut (este também um alegado amante), sai deste livro com um retrato pouco lisonjeiro, mas algo confuso. O ex-repórter de televisão agora autor, com a rep

utação de “justiceiro franco-atirador”, não esconde a sua admiração pela inegável lenda viva que, ninguém duvida, é Catherine Deneuve, e entrou em áreas delicadas da sua vida por vezes com fontes demasiado frágeis. Violet garante que a “sua” Deneuve é “bem mais apaixonante” do que a imagem de “santa” que tem prevalecido até agora.